TEXTO SOBRE OS PRACINHAS BRASILEIROS NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Pracinhas: como os brasileiros lutaram no front
Pilotando aviões ou combatendo em trincheiras, mais de 25 mil soldados guerrearam na Itália. Conquistaram Monte Castelo e prenderam uma divisão alemã
Maria Carolina Cristianini, Still Marcelo Zocchio | 01/05/2005 00h00

Quando começou a cair a primeira nevasca no fim de novembro de 1944, os soldados brasileiros que combatiam na frente italiana perceberam que aquela seria uma batalha sem tréguas. Não bastasse o teatro de operações de guerra, eles também enfrentariam o que seria o inverno mais rigoroso nos últimos 50 anos na região apenina. Aliás, se existem duas palavras capazes de descrever o que sentiam os pracinhas nos fronts da Segunda Guerra Mundial, elas são medo e frio. A morte sondava os soldados a todo o instante e eles sofriam com a temperatura média de -20º C, em fardas que em nada protegiam. “A gente, no início, tinha que vestir quase dez camadas de roupas, camisas por cima de suéter. Dormíamos vestidos, calçados. Era terrível”, conta o jornalista e escritor Joel Silveira, que cobriu a Segunda Guerra Mundial na Itália ao lado de soldados brasileiros.
No total, foram mais de sete meses de uma guerra ingrata e impiedosa para a Força Expedicionária Brasileira (FEB), desde o primeiro combate, em setembro de 1944, até a última ação, em abril do ano seguinte. É verdade que, ao fim, foram contabilizadas vitórias – Camaiore, Monte Castelo e Montese, entre outras –, mas a maioria dos soldados, inexperiente, teve de aprender na marra a lutar. As tropas do país eram formadas por jovens vindos de classes humildes e sem proximidade com os acontecimentos do mundo exterior, explica o historiador Cesar Campiani Maximiano, autor de uma pesquisa sobre a experiência dos soldados brasileiros. Contrariando todas as expectativas negativas, eles aprenderam rapidamente a guerrear na frente de operações. O Brasil tinha declarado guerra aos países do Eixo em 31 de agosto de 1942, em resposta ao suposto torpedeamento de navios brasileiros por submarinos alemães, que resultou na morte de mais de 780 pessoas.
Porém, entre optar pela guerra e enviar as tropas para o combate, houve um longo caminho. Foi somente em junho de 1944, após quase dois anos de discussão e planejamento da missão brasileira, que os primeiros soldados embarcaram para a Itália. O destino não foi uma escolha aleatória. “Como o Brasil tinha uma tropa de Terceiro Mundo, despreparada aos olhos dos Aliados, os Estados Unidos determinaram que deveríamos ir para um front considerado secundário”, conta João Fábio Bertonha, professor de história contemporânea da Universidade Estadual de Maringá, no Paraná.
Após a chegada do escalão da FEB – a primeira força latino-americana a desembarcar em solo italiano –, os soldados foram incorporados ao 5° Exército dos Estados Unidos e seguiram para a conclusão do treinamento de guerra. Iniciada ainda no Brasil, essa preparação foi organizada pelos americanos, que se instalaram no país quando o governo fez a declaração de guerra.
Uma vez no front, a situação dos mais de 25 mil soldados que combateram pela FEB não era nada boa. “Nós vivíamos numa cratera, cercados de alemães no cume dos morros. Ficamos em Porreta-Terme, onde estava o quartel-general avançado do general Mascarenhas. De dia, o comando da FEB queimava óleo diesel para fazer uma cortina de fumaça: qualquer movimento que a gente fizesse ali, se os alemães percebessem, era a morte certa”, lembra Joel Silveira.

Batismo de fogo
A zona de ação de 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária era o vale do rio Reno, na região de Porreta-Terme. A cerca de 15 km dali estava Monte Castelo, uma elevação defendida pelos alemães na região montanhosa dos Apeninos. A dominação das tropas de Hitler da região impossibilitava o avanço dos aliados até Bolonha, um dos objetivos dos combates na Itália. Afinal, Bolonha, situada entre o paredão de montanhas e a costa do mar Adriático, é a grande porta de acesso à rica planície do Pó, além de caminho para Brenner, na fronteira com a Áustria. Conquistá-la era vencer a batalha na Itália.
E foi exatamente em Monte Castelo que aconteceu o mais famoso conflito envolvendo tropas brasileiras na Segunda Guerra. Em quatro ocasiões, na lama e no frio, os pracinhas, juntamente com formações americanas, haviam tentado dominar os germânicos – em 24, 25 e 29 de novembro e 12 de dezembro de 1944 – com ataques frontais. Mas, inexperientes, enfrentaram um inimigo bem preparado e protegido. O resultado: foram massacrados quatro vezes e acumularam centenas de baixas. A maré virou somente no dia 21 de fevereiro do ano seguinte. Atacando pelos flancos, as tropas contaram com a ajuda de fogo de artilharia. E às 17h20, depois de 12 horas de combate, Monte Castelo caiu em mãos brasileiras.
As dificuldades aconteceram porque os alemães estavam sempre em cima dos montes, visualizando facilmente a chegada dos inimigos. Além disso, as péssimas condições climáticas dificultavam ainda mais a tarefa. “Cerca de 300 brasileiros morreram só nos combates de Monte Castelo, e um deles assassinado por um americano ao ser confundido com um alemão pela semelhança de uniformes”, diz Luciana Ibarra, especialista em história do Brasil formada pela PUC do Rio Grande do Sul.
O combate em Monte Castelo foi um batismo de fogo para os pracinhas. Desse momento em diante, a FEB re-gistrou importantes vitórias. Em 5 de março de 1945, foi a vez de Castelnuovo, com uma manobra tática de duplo ataque. No mês seguinte, na Batalha de Montese, o terreno íngreme e minado e a forte defesa alemã em torno do maciço de Montese resultaram em dezenas de baixas em nosso lado. Mas os brasileiros bateram os germânicos.
Nem nessa hora de confronto e morte os brasileiros perderam o senso de humor. Na época, fazia sucesso um samba com o verso “Laurindo desceu o morro chorando”, e um batalhão que entrara em pânico nas investidas contra Monte Castelo passou a ser conhecido na FEB como Laurindo. Agora, no entanto, era vez de cantar vitória. Os soldados desse mesmo batalhão, ao tomar posse de Montese, desabafaram que Laurindo tinha subido o morro.
Outro grande feito dos pracinhas foi a detenção em combate da 148ª Divisão de Infantaria alemã, fazendo 15 mil prisioneiros, incluindo dois generais. Aliás, a FEB encerrou a campanha na Itália como a única divisão daquele front a aprisionar uma divisão alemã inteira. E a captura dessa formação, em 29 de abril de 1945, ajudou a apressar o fim do conflito na Itália, que se deu poucos dias depois.
Ao fim da guerra, até mesmo chefes germânicos reconheceram a coragem dos brasileiros. Um deles foi o coronel Rudolf Bohmler, que participou da sangrenta Batalha de Monte Castelo: “Sabe-se que não é fácil, para uma tropa não acostumada ao combate, ter de lutar contra veteranos experientes, como os das divisões alemães na Itália. O soldado brasileiro, no entanto, mostrou extrema boa vontade e um grande desejo de lutar”.

Senta a pua!
Não foi somente a FEB que cumpriu sua missão no front. Embora sua participação na Segunda Guerra Mundial seja modesta, a Força Aérea Brasileira (FAB) teve uma atuação exemplar e colocou o grupo brasileiro entre os melhores do conflito mundial. “A FAB enviou para a guerra cerca de 50 pilotos, um efetivo pequeno, mas que teve uma ação muito boa dentro dos padrões militares”, confirma o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, da Universidade Federal de Minas Gerais. Em seis meses de direta participação em operações de guerra, o 1º Grupo de Aviação de Caça, o Senta a Pua!, cumpriu 445 missões, que resultaram na destruição de aviões, locomotivas e pontes, além de posições de artilharia e depósitos de munições e combustíveis.
A grande diferença entre a FAB e a FEB na guerra está no fato de que a Força Aérea foi para o combate de forma voluntária, enquanto o Exército fez convocações. E esses homens que lutaram por livre e espontânea vontade passaram por momentos tão difíceis quanto os que estavam na linha de frente em terra firme. Um exemplo é a história de um tenente, conhecido como Assis. No dia 29 de janeiro de1945, ele havia sido escalado para o vôo da madrugada com outras aeronaves. Elas atacariam depósitos de combustíveis no subúrbio da cidade de Piacenza.
Porém, antes de chegar na pista de pouso, a esquadrilha foi informada de que deveria checar também uma divisão de alemães em uma estrada nas proximidades. Cumprindo as ordens, eles foram atacados pelos nazistas, e o avião do tenente Assis foi atingido e pegou fogo. Com medo de que a aeronave caísse, ele decidiu rapidamente pular de pára-quedas. Acabou preso por soldados germânicos assim que aterrissou no chão. Enviado para um campo de concentração, o tenente somente foi solto em 29 de abril de 1945 com a libertação do lugar pelos Estados Unidos.
Apesar do bem-sucedido envolvimento brasileiro no conflito mundial, nem tudo eram flores no dia-a-dia dos soldados brasileiros. Os pracinhas viviam enfurnados em verdadeiros buracos – chamados de foxholes – durante os combates para escapar do tiroteio inimigo e em meio à neve e à lama. “A guerra não é heróica. Não há bandeiras, nem tambores, nem cornetas com toques marciais, nem tampouco heróis condecorados que voltam para a casa e beijam a noiva. O que há na guerra é sujeira, lama, frio, fome, cansaço de noites a fio sem dormir, medo de ser atacado, sofrimento e monotonia, esses problemas de todas as guerras. A monotonia de cavar uma trincheira e ficar escutando aqueles ruídos ensurdecedores, que não param nunca”, conta o ex-combatente Joaquim Xavier da Silveira, autor do livro Cruzes Brancas: Diário de um Pracinha.
O maior inimigo para os jovens brasileiros que lutavam uma guerra “estrangeira” era mesmo a morte, segundo o historiador César Campiani Maximiano. “Os soldados não podiam deixar de cumprir a missão para ajudar um amigo. Isso fez nascer um sentimento de culpa muito grande. A questão central da guerra é que você está lá para matar, mas o brasileiro do front não tinha muita idéia da causa pela qual estava comba-tendo.” Para o ex-soldado José Esperança, esse foi o principal drama de sua experiência. “Eu tinha medo de matar pessoas. Na verdade, preferia morrer que matar. Achava que não devia atirar em ninguém”, conta ele.
Para piorar, a volta para ao país também não foi fácil. Após mais de sete meses de guerra e a morte de 450 brasileiros, o retorno dos pracinhas começou a ser preparado com a rendição da Alemanha, em maio de 1945. Os primeiros combatentes desembarcaram no Rio de Janeiro em julho e, para a maioria dos que voltaram, restou uma penosa readaptação à vida civil. Benefícios e direitos, como recolocação profissional e auxílio psicológico, demoraram cerca de 40 anos para ser pagos pelo governo.
E muitos se perguntam, ainda hoje, se valeu a pena o sacrifício dos soldados e se o Brasil realmente colaborou para a vitória dos Aliados. Alguns especialistas no assunto afirmam que sim. “Não podemos dizer que o Brasil decidiu a guerra, mas da América Latina foi o país mais relevante. Fora isso, fornecemos minerais essenciais para as tropas, como a borracha”, conclui João Fábio Bertonha.

A principal conseqüência do conflito para nós, no entanto, foi o desdobramento político interno em relação ao envolvimento brasileiro ao lado dos Aliados, de acordo com Rodrigo Patto Sá Motta. “Por ter lutado contra uma ditadura, o governo de Getúlio Vargas se viu pressionado”, explica. E, com o fim da Segunda Guerra Mundial, o Estado Novo se esgotou, e o Brasil começaria novamente a ter ares de democracia anos depois.

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